segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Critérios

Todos os animais são iguais. Este era um dos mandamentos escritos numa parede da Quinta dos Animais, na obra homónima de Orwell. Esses mandamentos, inicialmente escritos com o intuito de guiar a conduta dos animais da quinta e para garantir a liberdade e igualdade de todos, foram sofrendo alterações pelas patas dos porcos que, depois de serem apanhados a violar os mandamentos que os próprios estipularam e escreveram, os modificaram para servir os seus propósitos e vontades. Depois de várias alterações, já só restava um único mandamento. Esse mandamento era uma adaptação daquele com que principiei este texto e dizia o seguinte: Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros

George Orwell foi um génio e a prova disso é a intemporalidade e aplicabilidade das suas obras a todas (ou quase todas) os sectores da sociedade, inclusive no futebol e na imprensa desportiva. Assim que vi as capas dos jornais desportivos de hoje confirmei as minhas suspeitas de ontem. O Moreirense, vencedor da décima edição da Taça CTT, não figura na capa de dois, dos três, jornais desportivos com distribuição nacional. Apenas o jornal O Jogo decidiu destacar o vencedor da competição e A Bola apenas o fez na edição impressa para o Norte do país (não sei se essa edição é para todo o Norte do país ou se é para certas zonas da região). 

Nos últimos anos, estes jornais guiaram-se sempre pelos mesmos critérios ao desenhar a capa do dia seguinte à final da Taça da Liga. Através de uma rápida pesquisa online consegui consultar algumas dessas capas, desde o ano de 2010, e constatei que o vencedor foi sempre o grande destaque na capa destes dois jornais. Não me dei ao trabalho de pesquisar as capas d'O Jogo, uma vez que fizeram uma capa digna e que vai de acordo com o que costumam fazer quando se trata de outros clubes. Na capa sempre figurou o vencedor - que, por norma, é o Benfica. Ontem o vencedor não foi o Benfica e o Benfica nem marcou presença na final, mas o destaque é o Benfica. O Record e A Bola (não, a capa da edição nortenha não os desculpa, uma vez que a competição é de âmbito nacional) priorizaram a convocatória dos encarnados à vitória do Moreirense que ontem se tornou no Campeão de Inverno. 

Os critérios, subitamente, são outros e o vencedor de uma competição de âmbito nacional e que serve para condecorar o Campeão de Inverno já só merece ser assunto de rodapé. Merece-o porque, para os jornais, o Moreirense é pequeno. Os pequenos sentam-se ao lado, não se sentam na mesa. É triste como as linhas editoriais servem para servir os gostos e agendas pessoais de alguns, ao invés de servir para serem isentos, intelectualmente honestos e éticos. Cada jornal decide aquilo que publica e eu decido não os comprar. Neste país, há apenas três clubes que parecem interessar. Estão acima das outras modalidades, dos outros desportistas e dos outros clubes. É uma dualidade de critérios triste, mas que combina com tudo o resto que se faz no futebol português. Há dois micro-campeonatos de diferentes níveis dentro do nosso campeonato. Um deles, o superior, é disputado a três cores: vermelho, verde e azul. O outro é disputado pelos restantes e, para a comunicação social, não vale por um. 

Escrevo hoje, no âmbito do futebol, mas já escrevi anteriormente quando o João Sousa, ao vencer um troféu inédito na história do ténis português, foi relegado para segundo, terceiro ou quarto plano. Podia escrever o mesmo quando Patrícia Mamona ganha uma competição e ela fá-lo tantas vezes! Podia escrever para muitos outros atletas que dignificam o desporto português em todo o mundo, mas que não podem ver os seus feitos nas capas dos jornais. O compromisso da imprensa desportiva portuguesa é com os lucros, nada mais. 

A culpa não é só de quem dirige os jornais e gere os seus conteúdos. A culpa é partilhada com os que compram os jornais, os que preferem apoiar o clube que não os representa mesmo que isso signifique rebaixar o clube da sua terra, é do centralismo bacoco e da falta de orgulho na sua cidade, de quem não vê o quão sectaristas são estas decisões. Isto não é uma crítica ao Benfica (porque há sempre quem ache que qualquer coisa que envolva o Benfica é um ataque directo ao clube), não é uma crítica aos benfiquistas que nasceram e cresceram em Lisboa. É uma crítica aos jornais que não respeitam os clubes e os adeptos (acima de tudo, isto é uma falta de respeito tremenda) e uma crítica ao adepto que prefere apoiar a equipa lá de longe, rebaixando a equipa da sua terra e a equipa que o representa. Diz-se com alguma leveza que em Portugal se gosta de futebol. Os portugueses, os actuais campeões europeus de futebol, não gostam de futebol. É uma generalidade que sou obrigada a fazer, por muito que me desagrade. Infelizmente em Portugal vive-se em demasia um fanatismo clubístico que cega. 

Parabéns ao Moreirense, pelo percurso incrível e pela conquista merecida desta Taça da Liga. Parabéns ao Braga, por ter chegado à final. Parabéns aos adeptos destes dois clubes que, com civismo, fizeram muitos quilómetros na última semana para apoiar o seu clube, independentemente da sua dimensão. Sempre que um clube como o Moreirense ganha, o futebol ganha outro encanto. Não é o meu clube, o meu coração só tem espaço para o Vitória, mas consigo reconhecer que quantos mais Moreirenses houver mais o futebol português cresce. 
22 de Março de 2010.
14 de Abril de 2013
30 de Maio de 2015
21 de Maio de 2016
30 de Janeiro de 2017
Acredito que podemos concluir que estes dois jornais não pretendem ser imparciais ou intelectualmente honestos e têm apenas uma linha editorial: o Benfica.
Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros.

Sem comentários :

Enviar um comentário